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02/04/2008

Abandonados


Antes do Napster, antes do PirateBay, antes da pirataria generalizada através do RapidShare e antes que o mundo e seu vizinho aprendesse a gravar CDs, já existiam os amantes do abandonware.

Seguindo o mesmo conceito dos fansubbers, para quem legendar e distribuir o trabalho dos outros não é pirataria se a pessoa faz isso por amor a arte, os distribuidores de abandonware dizem que não é pirataria se o software estiver fora de catálogo e impossível de se comprar (a não ser de segunda mão). É claro que até onde essa gente está certa é discutível e que não se pode culpar alguém por querer jogar algo que não e encontra mais para vender (mas que nem por isso deixou de ser bom), mas leis são leis, e pela lei piratear os últimos lançamentos ou piratear software antigo é pirataria igual. O que é no mínimo injusto, mas não vem ao caso.

O caso é que enquanto houverem coisas sendo tiradas de circulação, esgotando a tiragem ou sendo impossíveis de se encontrar em certos lugares, pessoas darão um jeito. Traduzir, legendar, xerocar, copiar em outras mídias, compartilhar pela internet e fazer empréstimos pelo correio são maneiras que são ou já foram utilizadas para garantir que outras pessoas tivessem acesso a alguma coisa que alguém gosta muito.

As vezes é nostalgia. Muitos dos jogos abandonware que eu baixo são jogos que eu joguei mas não terminei quando era criança. Outras vezes é amor. O Cory Doctorow disse, uma vez, que a maior parte dos livros de ficção pirateados online são de fantasia e ficção-científica, por causa do amor que os leitores desse tipo de literatura têm por suas histórias, seus autores. Eles querem que outras pessoas gostem do que eles gostam. E, é claro, existem os militantes que estão realmente tentando minar a indústria dos direitos autorais, aqueles que possuem opiniões e que normalmente são as mentes por trás dos próprios sistemas de distribuição que os outros usam para distribuir os objetos de seu afeto.

Mas não importa muito o motivo, as opiniões, as intenções. Essa gente que trabalha com os abandonados é dotada de um interesse em comum: salvar, manter, disseminar. Por que existem algumas coisas que não devem se perder (há quem diria, todas) .

Eu comecei esse artigo pensando em colocar, aí no meio, um gancho para falar dos meus motivos, de por que eu decidi ser mais uma dessas pessoas que distribui coisas, que tenta compartilhar arquivos para manter viva uma idéia. Mas, na verdade, eu não sei por que. Podem ter sido as boas lembranças, como quando se mantém uma paixão puramente pela sua importância histórica na própria vida, ou talvez tenha sido a tristeza ao lembrar que todo o universo por onde minha mente vagava na adolescência foi abandonado pelos seus criadores, mas não pelos fãs.

Mago se passa no antigo Mundo das Trevas da White Wolf, e possui uma história completa caso a pessoa consiga ler alguns livros que explicam cada um dos passos da crônica. Os livros foram, em parte, publicados no Brasil (pela famosa Devir), mas a editora só publicou alguns livros (o que não significa que eles tenham publicado todos os livros essencias para se jogar), então os fãs do cenário que dependiam da Devir para descobrir o que acontecia naquele universo precisaram improvisar, piratear, para descobrir o final.

Eu fui uma dessas pessoas. Baixei a versão ebook de cada um dos livros necessários para compreender a história, li a maioria deles e posso dizer que os jogos que nós jogávamos eram melhores. Mas não importa agora, os livros não são mais publicados, não são mais vendidos, os direitos de publicação estrangeira não são mais estendidos. Isso significa que toda a minha biblioteca pirata de referência, aquela com a qual eu preparei os meus jogos, tudo aquilo foi abandonado. E, por isso, reclamado pelos fãs.

Então tudo bem, serei uma fã. Comecei, esses dias, a colocar online todos os livros do RPG Mago: a Ascenção que eu tenho digitalmente. Por enquanto são apenas os livros básicos, mas logo serão todos os outros. E, depois disso, as minhas regras da casa e o enredo inicial da crônica que eu pretendo começar a narrar, uma crônica que se passa após o tal fim do mundo, inspirada pela divertida crônica de Vampiro pós-Gehenna do meu amigo Luciano (mais conhecido como Jedi) onde ele reconfigurou o cenário a seu bel-prazer para contar a história que ele quer.

Pode ter acabado pra eles, mas para mim continua sendo divertido. Coisa que, se você parar pra pensar, não funcionaria muito bem no tal caso de amor da metáfora.